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Opinião / 05 de dezembro de 2020 - 11h 14m

Reflexões e sequilhos de coco

Compartilhamento Social

*Por Daniele Britto

Foi difícil escolher um tema específico para o artigo deste sábado. Tantos fatos pertinentes a serem analisados e outras tantas reflexões entrelaçadas e necessárias. Porém, ao rascunhar sobre tudo o que queria escrever, mais uma vez visualizei que todas as temáticas estão fortemente relacionadas e que, talvez, o meu papel aqui seja só reunir tudo em um só lugar e mostrar que determinados problemas têm a mesma origem.

Primeiro, preciso fazer uma breve introdução sobre a minha forma de ver, compreender e formular resistências neste mundo. Meu olhar sempre vai partir das responsabilidades e ações do meu corpo-território (MIRANDA, 2014). Minhas insubmissões e passos encontram justificativa na minha subjetividade. As minhas percepções do mundo, portanto, são frutos de todas as minhas experiências e acúmulo de conhecimento que, vale ressaltar, são coisas bem diferentes.

O que você precisa saber, afinal? De forma mais do que resumida informo que estas linhas são escritas por uma mulher feminista, antirracista, anti-homotransfobia e que aprendeu a respeitar as encruzilhadas. Também gosto de caipirinha com açúcar e faço bolos horríveis mas, no momento, isso não é tão relevante.

Na última sexta-feira (04/12/20), uma matéria da revista eletrônica piauí (é com “p” minúsculo mesmo, tá?) revelou detalhes do assédio sexual sofrido pela atriz e humorista Daniella Giusti, a engraçadíssima e talentosa Dani Calabresa, bem como toda a cadeia de omissões da Rede Globo e de tanta gente que deveria agir de forma diversa. O assediador é o ator e roteirista Marcius Melhem, que segue contraditoriamente se desculpando e negando o fato.

Dani, minha xará, está recebendo o apoio de muita gente anônima e famosa. Isso é bom, isso é ótimo isso é necessário. Mas, preciso lançar uma provocação: será que se a denunciante fosse a Érica Januza ou a Pathy de Jesus, atrizes negras, o apoio e a repercussão seriam nos mesmos termos? Será também que o Marcius que estava alcançando uma ótima audiência seria demitido?

Trago, agora, outro fato que talvez não tenha ganhado tanta repercussão, mas que também considero institucionalmente grave: no último dia 1/12/2020, o colégio de presidentes de seccionais da OAB votou a proposta de paridade feminina nas eleições do órgão já para 2021. A ideia é que as mulheres ocupem 50% dos cargos de comando, já que atualmente não existe nenhuma mulher presidente de seccional no país.

Dos 27 presidentes, todos eles homens, 13 votaram a favor da paridade já em 2021 e os outros 13 defenderam que deveria existir um plebiscito com toda a advocacia para discutir a paridade. Um presidente se absteve de votar. O desempate, coube a outro homem, o presidente do Conselho Federal, Felipe Santa Cruz, que votou a favor da paridade já em 2021. A questão ainda será julgada no Conselho Federal da OAB.

Só uma observação: Dos 81 atuais conselheiros titulares, 61 são homens e 23 são mulheres. O medo da repercussão negativa – não a consciência – fez com que os presidentes que votaram contra mudassem o voto para constar que foi uma [falsa] decisão unânime.

Na mesma oportunidade, foi votada a inclusão imediata de cotas raciais nas eleições da OAB. A proposta apresentada pelos juristas foi de 30%, mas o percentual aprovado na eleição foi de apenas 15%. Disseram que este percentual será posteriormente reavaliado a partir de um censo da advocacia, sabe-se lá quando. Informação importante: apenas um dos conselheiros federais é autodeclarado negro e não há nenhuma mulher negra como presidente de seccional.
O próximo fato – e suas consequências – diz respeito às eleições municipais de 2020. Conforme a revista Gênero e Número, nenhuma capital brasileira elegeu uma mulher como prefeita. No segundo turno das eleições, mulheres disputavam a prefeitura em 20 cidades mas só se elegeram em sete. Destas 20 candidatas, apenas quatro eram negras e, destas quatro, apenas uma se elegeu: Suéllen Rosim, que nem tomou posse e já sofre violentos e públicos ataques racistas.
Em todo país temos apenas 658 prefeitas (13%), contra 4.800 prefeitos (87%), números que falam por si. Conforme Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua realizada em 2019, a população brasileira é composta por 48,2% de homens e 51,8% de mulheres.
Por último destaco falas recentes no Twitter do atual ministro da justiça, André Mendonça, que se qualifica nas redes sociais também como “Doutor em Direito Público e Pastor Presbiteriano”. Mendonça foi tentar “defender” a cantora evangélica Ana Paula Valadão que protagoniza como investigada um inquérito no MPF, por falas homotransfóbicas que associam a união entre pessoas do mesmo sexo à Aids.
Na defesa do indefensável, o ministro utiliza no seu texto o termo “homossexualismo”, retirado há 30 anos da classificação de doenças pela Organização Mundial de Saúde. Ressalto que estamos falando do ministro da Justiça.
Diante destes pequenos recortes que fizeram minha cabeça ferver nos últimos dias, pergunto: dá pra não ser feminista, antirracista e combatente da homotransfobia? A gente sabe que dá, mas eu optei por ser tudo isso e mais um pouquinho. Mereço aplausos? Nenhum.
Dia após dia estudo e trabalho para ser e ganhar aliades para estas lutas. A genial e necessária Lélia Gonzalez afirma que “emoção, a subjetividade e outras atribuições dadas ao nosso discurso não implicam na renúncia à razão, mas, ao contrário, num modo de torná-la mais concreta, mais humana e menos abstrata e/ou metafísica. Trata-se, no nosso caso, de uma outra razão”. Lélia e sua capacidade de nos revirar me traz fôlego, sempre.
Meu ”eu” informa que também adoro maniçoba, sequilhos de coco e que toda esta luta está longe de acabar.

*Daniele Britto
 Advogada e Jornalista – 
Mãe, feminista, antirracista e aliada na luta contra a homotransfobia
Pesquisadora no grupo Corpo-território Decolonial (Uefs)
Mestranda PPGE/Uefs


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