O racismo e o senso de justiça seletivo
Depois da expulsão da aluna de um faculdade particular de Feira de Santana que utilizou suas redes sociais para fazer ataques racistas à pessoas pretas que dividiam os corredores e a sala de aula com ela, publiquei em minhas redes sociais o vídeo da reação dos alunos após anúncio da decisão da instituição, acertadíssima, na minha opinião, mas ela não é absoluta, felizmente, já que vivemos num país democrático. Divergir da atitude da faculdade é super “ok”. O que não dá para levar em consideração, é quando se coloca o racismo no lugar de opinião, pois não é.
Determinados argumentos me chamaram atenção por esta razão:
“Foi um erro grosseiro, mas isso é linchamento virtual”; “Será essa a atitude mais correta?”; “Como Cristo agiria?”; “Devemos usar a razão e agir com amor”. Disseram.
Lendo-os, me deparei com a seletividade da nossa indignação e senso de justiça. Primeiro, porque racismo não é apenas um erro, e é inconcebível que alguém considere que o tratemos como tal. Racismo é crime. Pedir docilidade, cordialidade, amor e compreensão como reação a algo que mata, é uma atitude injusta e igualmente racista. Para mim, soa como se pessoas negras tivessem que retroceder séculos e aceitar as humilhações como tiveram que fazer seus ancestrais escravizados.
Questionar a atitude de Cristo caso estivesse ali, é bem pertinente nesta pauta. Perceba; se que foi amor ao próximo que Ele pregou, precisamos todos concordar que não há nada que fira mais o maior dos seus mandamentos do que desprezar alguém pela cor da sua pele ou condição social. Jesus era pobre. Pregou para os pobres e quando viu homens mercantilizando a fé no templo, aos gritos, segundo os evangelhos, os chamou de hipócritas. Ele reagiu duramente e deixou a passividade de lado. Uma demonstração claríssima de que, sim, a sociedade pode e deve agir energicamente, ainda que tenha amarras cristãs.
Parece que ainda não está claro para todos e precisarei ser repetitiva aqui: racismo é crime! Quando alguém subtrai um bem nosso, nós clamamos por justiça. Queremos ver quem nos roubou atrás das grades, sem compaixão alguma, afinal, como é possível falar com amor com ou sobre quem arranca de nós aquilo que suamos tanto para conseguir? Eu nem vou mencionar nossa sede de justiça quando há um assassinato na história. Sabemos muito bem que sentimento é este e nem sempre nos orgulhamos deles.
O racismo subtrai a dignidade e a vida de pessoas pretas há centenas de anos. Não é razoável que a sociedade encare como um mero erro, o fato de alguém estar incomodado em conviver com pretos ao seu lado e se manifestar publicamente sobre isso, sem pudor algum. É crime. Meu senso de justiça não pode ser seletivo, ou então, eu estarei sendo hipócrita, tipo de gente que irrita até Jesus.
Pessoas pretas, as leis, os veículos de comunicação, falam didaticamente, todos os dias sobre o quão letal é o crime de racismo. Se alguém não ouve, é necessário elevar o tom da voz.
A resposta dada a este fato, em Feira de Santana, é a única resposta possível, se não, a gente continua tendo, todos os dias episódios como este.
Eu, mulher branca, que não coaduno com o pacto narcísico da branquitude, escrevo este texto para os iguais a mim. Quem sabe a cor da minha pele faça ecoar em seus ouvidos o que é dito pela comunidade negra à exaustão e de uma vez por todas se entenda que o racismo é crime.