Colágeno de jumento produzido em fermentadores poderá render 400 milhões de dólares por ano para o Nordeste
O colágeno de jumento produzido em fermentadores poderá render 400 milhões de dólares por ano para o Nordeste Brasileiro, de acordo com os números apresentados por pesquisadores durante o I Workshop – Jumentos do Brasil: Futuro sustentável, impacto socioeconômico, segurança sanitária, papel ecológico, conservação e sustentabilidade no século XXI, realizado nos dias 12 e 13 de maio na Universidade Federal da Bahia.
A bióloga Patrícia Tatemoto, uma das pesquisadoras do tema e organizadora do evento, afirmou que a produção de ejiao por fermentação de precisão seria uma solução sustentável para atender a demanda crescente, preservando a vida desses animais importantes para a cultura nordestina e assegurando a biossegurança, algo que não acontece no atual sistema extrativista. Além disso, a produção em fermentadores evita riscos de doenças infectocontagiosas de caráter zoonótico, como o mormo, que pode afetar trabalhadores dos abatedouros e outras pessoas que lidem próximo dos animais e suas aglomerações. Selecionada para um projeto de aceleração e capacitação com a BioStartup Lab, para desenvolvimento dos constituintes do ejiao por fermentação de precisão, a pesquisa de Tatemoto depende de captação de recursos para ser concluída dentro de um ano.
INOVAÇÃO SUSTENTÁVEL
Investir em agricultura celular pode gerar retornos econômicos significativos no Brasil. Pesquisadores estão buscando convencer o governo da Bahia e investidores chineses a apoiar soluções tecnológicas e sustentáveis em vez de explorar animais. A empresa Liberation Labs investirá 115 milhões de dólares em uma nova instalação nos EUA, criando empregos especializados. Com o apoio do governo, investimentos semelhantes podem ser feitos no Nordeste brasileiro.
A produção de ejiao em fermentadores pode eliminar a necessidade de exportar peles de jumento e fornecer uma fonte inesgotável de matéria-prima para atender à demanda chinesa anual de 4,8 milhões de peles. A meta brasileira de exportar 100 mil peles anualmente não foi alcançada devido à falta de uma cadeia produtiva e quantidade insuficiente de jumentos. Com o uso da zootecnia celular, a nova indústria tem um potencial exponencialmente maior de expansão e diversificação, com um amplo mercado consumidor que vai além do ejiao. Isso inclui vários tipos de colágenos, albuminas (como clara de ovos e albuminas de mamíferos), fatores de crescimento e outros insumos cuja demanda tem previsão de enorme crescimento a partir da nova indústria de proteínas alternativas.
INVESTIMENTOS NO BRASIL.
É comum para os métodos de produção de alimentos por meio de fermentação de precisão e de cultivo celular a necessidade de investimento de pesquisa prévia, antes da plena implantação de um pátio de produção. No caso de ejiao, o processo mais adequado parece ser a fermentação de precisão, cujo domínio é mais avançado que aquele dos métodos de produção de alimentos por cultivo celular. Desta forma, a implantação de uma cadeia produtiva pode ser comparativamente mais rápida. Um laboratório de pesquisa também tem custo menos elevado, por empregar fermentadores mais consolidados que os biorreatores mais delicados que são necessários ao cultivo celular.
Conforme a professora Carla Molento, coordenadora do Programa de Pós-graduação em Ciências Veterinárias da Universidade Federal do Paraná, “a partir de um investimento inicial de 300 milhões de reais, envolvendo dois anos de trabalho, é possível pensar em uma viabilização desta nova indústria no Estado da Bahia. Com um aporte financeiro de tal ordem, incluindo terreno, construção de uma usina piloto associada a laboratório de pesquisa, assim como bolsas e salários, se pode pensar em fermentadores plenamente ativos e prontos para escalonamento.” Um cálculo mais refinado será necessário, para se incorporar especificidades locais e premissas estabelecidas em conjunto com o governo do Estado.
MAIS EMPREGOS E MELHORES.
Investir em agricultura celular é uma solução sustentável que pode trazer inúmeros benefícios econômicos e ambientais ao Brasil. Conforme o advogado Yuri Fernandes Lima, que atua na Frente Nacional em Defesa dos Jumentos, além de reduzir a exploração animal, a produção de ejiao por meio da agricultura celular tem potencial para gerar empregos em diferentes áreas, incentivar o desenvolvimento de uma cadeia produtiva local, desde a pesquisa e desenvolvimento até a produção e distribuição. A tecnologia requer profissionais especializados na fase inicial, e posteriormente trabalhadores para produção, manutenção dos fermentadores e processamento. A introdução do produto também pode aumentar a arrecadação de impostos sobre produção, venda, distribuição e renda dos trabalhadores. Além disso, a agricultura celular pode oferecer ambientes de trabalho mais seguros e confortáveis, com controle de temperatura e menos exposição a condições climáticas extremas. Esses fatores podem resultar em postos de trabalho de melhor qualidade e menos trabalho precarizado em comparação com a pecuária convencional e, sobretudo, abatedouros.
Além disso, essa cadeia produtiva é mais resiliente a variações climáticas, uma vez que a produção se dá no interior de fermentadores, em condições controladas e menos susceptíveis a períodos de calor, seca e outros extremos climáticos, desde que haja suprimento adequado de água, energia e insumos para a manutenção do ambiente interno dos fermentadores. Assim, a indústria de proteínas alternativas pode ser uma importante solução para áreas brasileiras de maior instabilidade de condições climáticas. Os benefícios sociais da implantação desta tecnologia vão além do mercado de ejiao, trazendo ao Nordeste brasileiro todas as oportunidades das novas cadeias de produção de produtos de origem animal por meio de fermentação de precisão e de cultivo celular. Com o apoio do governo e investidores, é possível expandir essa indústria e contribuir para a construção de um futuro mais sustentável.
SAÚDE ÚNICA
A produção de ejiao cultivado em fermentadores não é apenas uma questão ambiental e de direitos animais, mas também pode ter benefícios para a saúde humana. Segundo José Roberto Pinho de Andrade Lima, veterinário e sanitarista com pós-doutorado em Saúde Global e Ambiental, o ejiao produzido por fermentação de precisão pode ajudar a prevenir a propagação de doenças como o mormo, uma zoonose infectocontagiosa que afeta principalmente os equídeos e pode ser transmitida aos seres humanos.
Trabalhadores de abatedouros de equídeos, transportadores, veterinários e tratadores em fazendas de concentração pré-abate são especialmente vulneráveis. Os sintomas em humanos incluem febre, dor de cabeça, dores musculares e articulares, fadiga, tosse, linfonodos inchados e doloridos, e úlceras na pele, podendo levar a complicações graves, como pneumonia, meningite e septicemia. Embora seja rara em humanos, a doença é considerada grave e potencialmente fatal, tendo sido registrado um caso confirmado no Brasil em 2020.