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Contos/Rafael Velame / 25 de março de 2021 - 05h 35m

A lenda do Doutor Curupira

A lenda do Doutor Curupira
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Doutor Curupira atendia em uma unidade de urgência de Feira de Santana, que combatia a epidemia de um vírus que estava matando a todos. O Doutor Curupira era um ser avançado no seu tempo, pois afirmava que a ciência era um processo contínuo, apesar de seus pés serem voltados para trás. Seu colega, o Saci Pererê, por ser um pneumologista e pesquisador importante, questionava-o sempre sobre o uso de tratamento precoce e a sua insistência em usar a cloroquina.

– Pira – era assim que o Saci se dirigia ao amigo na intimidade – por que você insiste no uso dessa droga?

– Pererê, tenho conseguido bons resultados.

– Poxa, Pira. Você sabe que eu gosto de você e o respeito, pois ser um médico respeitado tendo os pés para trás, não deve ser uma coisa fácil. Mas, a sua experiência não tem respaldo na literatura médica, pois para a determinação de efeitos que possam ser comprovados, nós precisamos de uma série de dados científicos que não são observados em sua rotina.

– Como assim?

– Veja: Precisamos agrupar os pacientes com faixas etárias iguais, avaliar se outras medicações não interagiram com a cloroquina, no caso específico, e se os resultados têm significância estatística. Por mais que você tenha a boa vontade em fazê-lo, os dados que você tem à disposição são meros palpites

– Porreta, Pererê. Quem é você para me dizer como agir? Você, por exemplo, é um pneumologista que fuma.

– Lá vem você agredindo quando não tem argumento. Você já esqueceu que prescreveu inalação de cloroquina para aquela paciente?

– Qual paciente?

– Aquela mula, que após a inalação perdeu a cabeça.

– Já tinha me esquecido, mas acho que ela até ficou melhor.

– Você acha mesmo? Pira, você passou cloroquina para a pobre Rapunzel e depois disso o cabelo dela caiu todo.

– Deve ter sido o shampoo – desdenhou o Doutor Curupira.

– Você fica brincando com isso, mas sua imprudência está chegando no limite

– Por que você diz isso?

– Querido Curupira, você teve o desplante de dizer à Branca de Neve, que se ela tomasse a vacina, ela iria ficar com a cara da Cuca, e que na melhor das hipóteses, ela poderia virar o jacaré do Capitão Gancho. Você não acha que isso foi longe demais?

– Mas, você confia naquela vacina chinesa produzida pelo Pikachu?

O Saci Pererê sorriu com a indagação.

– Curupira, eu volto a repetir: Gosto de você. Contudo, o que você está fazendo não condiz com sua posição de médico.

– Pererê, a cloroquina e o tratamento precoce tem efeito comprovado. Tão certo como o fato de que nós estamos aqui e existimos, insistiu o Doutor Curupira.


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