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Artigo / 01 de agosto de 2023 - 09h 25m

A idosa e os quadrinhos

A idosa e os quadrinhos
Ilustração: Iago Aragão
Compartilhamento Social

Por Caio Batista 

Eis-me de volta a esta gazeta para mais uma séria articulação. Volto após um longo período afastado por razões clínicas: quebrei a mão e o setor de RH, gentilmente, me encaminhou ao INSS. Regresso de peito aberto e com uma aguda e pertinente altivez, já que inúmeros colegas da dita IMPRENSA SÉRIA ventilaram suposições sobre o motivo da minha lesão: segundo esses profissionais, o trauma em minha mão foi fruto de um momento de intenso e energético “entretenimento amoroso” comigo mesmo, se é que me faço entender. Peço concessão ao meu editor e à nobre audiência que aqui aporta em mais uma semana para vociferar um maiúsculo CANALHAS.

A questão da mão é referente à forma apressada de executar um protocolar Pai Nosso™, antes de um baba: fiz o Pai® e o Filho® certinhos, mas o Espírito® e o Santo® acabaram saindo meio resumidos, aí entrei em completa desgraça e fraturei o punho. Esclarecimentos feitos, seguimos à nossa homilia:

*
Esta semana, depois de aportar na rodoviária após uma quarentena lá no Recôncavo, eu seguia meio apoquentado pela avenida Presidente Dutra. A viagem foi um pouco hostil já que tive um desarranjo fisiológico que, por milagre, não me fez profanar o banheiro da lotação. Desembarquei no terminal já recobrado de minha saúde mas, por prudência, decidi ir atrás de algum medicamento para chegar zerado ao Feira 6 e ter sobriedade no meu posto de trabalho no dia seguinte. Já fora da rodoviária, saí pingando por entre as ruas próximas tentando achar uma drogaria com preços mais amenos e, durante a saga, acabei topando com aquela figura em trajes peculiares. Ela estava de costas e ao se virar, reconheci seu rosto. Por livramento divino, não fui reconhecido. A surpresa do encontro fomentou antigas e indigestas memórias…

*
Há 8 anos, eu morava na Roma Negra e tinha por lá minhas escassas e obtusas amizades. Minha turma e eu vivíamos no submundo do roque n’ roll, do street-dance, do grafite e alguns descambavam para drogas ainda mais pesadas, como a confecção de fanzines e revistas literárias. Apesar de nem sempre concordar com esses caminhos tortuosos trilhados por alguns confrades, o bando estava sempre junto para ajudar a tirar alguma ideia do papel – mesmo que depois se fizesse urgente regressar a esse mesmo papel, picotá-lo, queimá-lo e jogar as cinzas num bueiro (ou em algum afluente do Subaé, que no fim das contas é quase a mesma coisa), para o bem da própria pessoa que tinha gestado aquela idiotice.

Infelizmente, nem sempre tínhamos sucesso na contenção de danos e não conseguimos, por exemplo, impedir que um dos amigos, fatalmente, acabasse envolvido na confecção de um gibi. Apesar de cientes de todo o ônus que teríamos que arcar junto com o mais novo quadrinista da nossa esquadra, demos amparo editorial, gráfico e fraterno – já que a família (com razão!) tinha largado aquele pobre diabo com seus anseios bastardos aos cuidados do acaso – e lá fomos todos nós para a anual Feira de Cultura Japonesa de Salvador. Na verdade, fomos mesmo para o evento paralelo, que acontecia no mesmo período, no vácuo do encontro principal: a Feira de Quadrinhos da Politeama – que é uma espécie de feira do rolo do mundo geek, com tudo de mais nefasto que esse tipo de ambiente pode proporcionar.

Chegamos à feira munidos apenas de muita discrição e uma mochila onde estava alocada a tiragem clandestina dos quadrinhos que seriam comercializados. Logo na entrada do evento, em meio a toda a sorte de cosplayer’s, k-poper’s e outras facções correlatas, fomos abordados por uma certa senhora. A idosa se aproximou e nos chamou para conhecer um pouco dos seus produtos. Ela comercializava revistas, edições de jornais centenários, catálogos turísticos, gibis e outros artigos típicos de uma hemeroteca – que, aos que não sabem, é o nome dado a uma biblioteca de publicações periódicas.

*
Não sei se por conveniência dos nossos semblantes, mas a senhora fez questão de nos apresentar tudo que tinha disponível de hentais, tijuana bible e da franquia Drunna (procurem saber), tirando todas as nossas dúvidas e trazendo curiosidades sobre o que estava exposto. A certa altura do papo, disse que aquele catálogo era o nosso “quilo”, num palavreado que muito nos assustou, dado o alto nível de jovialidade das palavras, completamente anacrônico à sua idade. Ela continuou a surpreender com o grau dos argumentos que se seguiram, provavelmente a fim de potencializar a nossa prospecção para concluir sua venda: dizia ela que gostava e era muito “entendida” sobre “aspectos” ligados à juventude: “Aquele moreno ali mesmo, só de olhar aqui de longe, eu sei que só de macaca ele deve ter umas 5 polegada – se referindo ao volume fálico de um dos membros do nosso bando, o que causou um atormentador constrangimento entre todos os presentes. Fizemos o possível para recobrar a plenitude diante do episódio e rumamos com urgência para as dependências oficiais da feira, onde nos perdemos de uma vez por todas daquela capciosa figura, mas não sem ficarmos com a psiquê completamente maculada pelo episódio.

Passados tantos anos, eu acreditava estar vivendo em plena segurança aqui nas dependências desta corte real, até me ocorrer esse fatídico e recente encontro… e é por isso que, ciente da potencialidade de mais vítimas dessa anciã geek com a libido descontrolada, que vou usar o serviço desta coluna para fazer um alerta: JOVENS EM IDADE PÚBERE DE TODA FEIRA DE SANTANA, EVITEM A PRESIDENTE DUTRA, IDOSAS, OTAKUS & QUADRINHOS!

*Caio Batista é um jornalista baiano que escreve sobre o recôncavo e agora sobre Feira de Santana.


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