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Artigo jurídico / 30 de julho de 2022 - 08h 06m

Aspectos jurídicos do caso Kátia Vargas

Compartilhamento Social

Hiran Coutinho Jr.

Cláudia Lopes

Casos criminais que, tragicamente, envolvem vítimas fatais têm o incrível poder de chocar as pessoas e, ao mesmo tempo, despertar um interesse abrupto nos atos processuais e, consequentemente, na possível, esperada e desejada responsabilização do acusado. O caso da Médica Oftalmologista Kátia Vargas ao permanecer vivo na memória social e nos meios de comunicação, mesmo após quase uma década, reflete com exatidão esse fato social.

Importa ressaltar, de logo, que este texto tem finalidade, essencialmente, descritiva, interpretativa e informativa. Não se pretende, nas linhas a seguir, debater teses, analisar o mérito das decisões ou mesmo criticar os resultados jurídicos existentes. Entendemos que a função de julgar é resguardada, tão somente, ao Poder Judiciário, desta forma nosso objetivo é esclarecer ao leitor como o triste e fatídico fato foi interpretado juridicamente por este.

Recentemente, o fato ocorrido em 2013 voltou aos noticiários, mas desta vez ao ser anunciado que a ação indenizatória proposta pelos genitores dos irmãos falecidos em desfavor da acusada teria sido suspensa.

Para contextualizar, é necessário lembrar, ainda que brevemente, os atos ocorridos em 11 de outubro de 2013. Naquele dia, teria ocorrido uma discussão de trânsito entre os irmãos Emanuel e Emanuelle Gomes Dias e a Kátia Vargas. A desavença teria evoluído para uma perseguição que resultou no choque da motocicleta a um poste e no óbito dos dois ocupantes desta.

Os fatos culminaram na investigação policial e posterior denúncia do Ministério Público em desfavor da acusada, sendo-lhe imputado dois crimes de homicídio com circunstâncias qualificadoras. Para o Ministério Público Estadual, a ação da médica ocasionou a colisão do carro com a motocicleta e, por consequência na morte dos vitimados ao se chocarem com o poste.

Ocorre que, ao processo penal é inafastável a existência do contraditório e ampla defesa do acusado, sob pena de inquestionável nulidade. Dentre estes atributos da defesa, é facultado e oportunizado a participação de assistente técnico, conhecido como perito particular, que poderá intervir no curso do procedimento pericial.

Desta feita, enquanto a acusação afirmava que a morte dos irmãos teria sido causada pela ação contundente da acusada (choque intencional do carro com a moto), a defesa apresentava robustez técnica ao sustentar que, diante da prova pericial, esta colisão não seria possível e que jamais teria ocorrido, de forma que o acidente fora ocasionado por fatores externos.

A trajetória processual perseguiu ao plenário do júri, rito especial aos crimes dolosos contra a vida (a exemplo do homicídio), no qual os acusados são julgados por seus pares – sete jurados extraídos da sociedade que formam um conselho de sentença soberano.

Aqui se faz necessário informar que o conselho de sentença é formado por pessoas comuns do povo. Não existe, portanto, influências para que sejam escolhidos letrados ou aqueles com experiência e anseios ao meio jurídico. Em verdade, prevalece no “rito popular” o intuito democrático de viabilizar que o acusado tenha a conduta julgada pelos seus iguais – assim como Jesus Cristo e Barrabás.

Logo, ainda que existam diversos rituais característicos ao Tribunal do Júri, com direito a longas togas, tribunal envernizado, dinâmica de oratória instigante e até mesmo seletiva (poucos se aventuram), ao fim, a consequência àquele sentado no banco dos réus será decidida pelos seus semelhantes. A condução dos atos se dá pelo Juiz-Presidente (o togado), mas as condenações ou absolvições são decididas pelo povo, ou seja, pelo padeiro, comerciante, professor, agricultor, estudante, mas que, naquele instante, alheios a todas as funções que já exerceram na vida, tornam-se julgadores.

Voltando ao caso aqui explorado, após o curso de toda a sessão de julgamento (apresentação das provas, depoimento das testemunhas, interrogatório da ré e debates orais), foi entendido pelos jurados que a acusada não teria arremessado o seu veículo contra a motocicleta que os irmãos transitavam, culminando na resposta negativa ao segundo quesito obrigatório, o que representa a rejeição da autoria do fato criminoso e, portanto, na consequente absolvição da Médica.

A decisão dos jurados é soberana e protegida por inviolável manto constitucional. Assim, nenhum outo juízo, ainda que em instância superior tem o poder de, simplesmente, reformá-la. A soberania dos vereditos, termo que designa esta força decisória, inviabiliza atuações simplificadas e, para modificá-la, somente com a anulação do julgamento e a substituição por outro, também definida por jurados em sua íntima convicção.

O ponto sensível a discussão para determinar a existência ou não da ação criminosa, foi a ocorrência ou não do impacto entre os veículos automotores. Neste aspecto ficou evidente que a participação do assistente técnico particular foi fundamental, pois, ao atuar na perícia, se propôs a avaliar a dinâmica do acidente, concluindo que os veículos não teriam colidido. Desta forma, após a avaliação das provas existentes no processo, prevaleceu para os jurados a afirmação de que o choque não ocorreu.

E assim, sem discutir os recursos que buscam anular o julgamento e que percorrem as instâncias superiores, a Médica Kátia Vargas, pelo povo, fora absolvida. A decisão judicial não alivia a dor das famílias e nem as consequências àquela que passou por um incessante julgamento, especialmente, social. E, ainda, não finda as discussões.

Por fim, cabe informar que em 2019, enquanto se debatiam os recursos criminais, a ora absolvida, que figura como requerida em uma demanda indenizatória proposta pelos pais dos jovens falecidos, foi condenada ao pagamento de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) para cada autor em decorrência de danos morais. A defesa, entretanto, interpôs recurso de apelação, com o intuito de reformar a sentença de primeiro grau e, neste mês (julho de 2022), entendendo que o processo criminal pode causar interferências ao pleito cível, a desembargadora da quarta câmara cível entendeu pela suspensão do processo. Isto, destarte, é matéria para o próximo texto que, de logo, convidamos à leitura.


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