Exclusivo: Vereador de Feira oferece na internet vaga de emprego em Posto de Saúde
Por Dandara Barreto
Não é de hoje que se especula sobre a barganha de cargos públicos por parte do poder legislativo em diversos municípios brasileiros. Em Feira de Santana não é diferente. Entretanto o assunto sempre ficou no campo da especulação. Porém, o site do Conselho Regional de Odontologia da Bahia (CRO-BA) publicou na última segunda-feira (31) um anúncio de vaga em um Posto de Saúde da Família (PSF) na cidade que chamou atenção do Blog do Velame. A oferta de emprego tinha a seguinte descrição: “Vereador em Feira de Santana, procura dentista para trabalhar em PSF. Interessados, chamar no zap…”. Veja na imagem abaixo.
Sem se identificar, a reportagem do Blog do Velame entrou em contato com o número disponível no anúncio e foi informada que a vaga foi preenchida ainda na segunda-feira(31) e que o vereador ofertante seria Cadmiel Pereira (DEM).
A responsável pelo anúncio disse numa ligação ser uma dentista, e informou também que a solicitação da vaga foi feita por seu cunhado, um assessor do vereador, cujo o nome ela não revelou.
O blog procurou a coordenadora da Atenção Básica Municipal, Valdenice Queriroz, que negou que houve alguma contratação de odontólogo neste período. Questionado pela reportagem, o vereador Cadmiel Pereira (DEM), negou que tenha feito qualquer anúncio ou que já tenha feito alguma indicação política ao longo de seus mandatos como vereador. Ele disse, porém, que muitas pessoas o procuram em busca de empregos, mas que jamais se valeu deste artifício para barganhar alguma vantagem política. Questionado sobre um dos seus assessores ter feito a solicitação da vaga no site do CRO-BA, o vereador informou que vai apurar, mas se negou a fazer o reconhecimento da foto da pessoa que teria feito o anúncio.
O Blog do Velame fez contato com o Conselho Regional de Odontologia da Bahia (CRO-BA) que informou que os anúncios são feitos num campo reservado para classificados, onde qualquer dentista pode anunciar e que não há filtro prévio por parte do site. O Conselho informou ainda que assim que tomou conhecimento da vaga anunciada por solicitação de um vereador, tirou a publicação do ar imediatamente, por ter conhecimento da ilegalidade da prática. A prática é antiga na cidade. Fontes denunciaram a situação ao Blog do Velame e muitos relataram que mantém este tipo de vínculo empregatício. Uma das contratadas pela modalidade de indicação política, que por motivo de segurança preferiu não se identificar, relatou que trabalhou como enfermeira no período de 2013 a 2018 em 3 unidades diferentes – Num PSF do distrito de Bonfim de Feira e em outros dois postos em bairros, por indicação do vereador Isaias de Diogo (MDB). De acordo com ela, o edil pegou seu currículo e a levou até o gabinete do então prefeito José Ronaldo de Carvalho, que escreveu uma carta e direcionou à Secretaria de Saúde e então, sua contratação foi efetuada.
“No começo a exigência que o vereador fez, era que participássemos das reuniões que aconteciam esporadicamente. Depois houve exigências para os profissionais vendessem rifas e bilhetes para uma feijoada que aconteceu em 2018. Era ano eleitoral, o vereador foi candidato a deputado estadual e além de pedir voto para ele, exigiu que votássemos no candidato à presidência, Jair Bolsonaro”, relatou. De acordo com a enfermeira, o pedido foi feito abertamente numa reunião com aproximadamente 150 pessoas. Ela contou que, como não vendeu as rifas e nem declarou o voto solicitado por ele, começou a sofrer perseguições e, três semanas depois das eleições, foi chamada na sede da terceirizada contratante e teve seu desligamento anunciado. Ainda segundo ela, a pessoa responsável pelo RH pediu que ela assinasse um documento que informava que ela estava pedindo demissão. Ela se recusou a assinar e recorreu à justiça, onde o processo corre até hoje.
Ao blog, vereador Isaias de Diogo negou todas as acusações. Ele disse que as pessoas o procuram o tempo todo para pedir emprego, no entanto, nenhuma indicação é feita em troca de favores políticos. “No gabinete há milhares de currículos e algumas empresas de RH recrutam. O gabinete está à serviço da cidade. Se uma pessoa me procura, eu posso levar ao prefeito. Se ela será empregada ou não, não compete ao vereador. Infelizmente tem pessoas que, por não serem bons profissionais, falam o que querem”, justificou. Sobre as participações nas reuniões e as vendas das rifas, ele informou que ninguém nunca foi obrigado a fazer nada, tudo o que as pessoas fazem, é porque querem. Sobre acusação de ter exigido a declaração de voto para presidente, o vereador disse ser uma grande mentira. “É uma mentira! Eu votei no Cabo Daciolo no primeiro turno, não pediria voto para ninguém. As acusações são mentirosas e levianas”, afirmou Isaías.
Em nota, a Prefeitura de Feira de Santana informou que os profissionais precisam fazer uma denúncia formal sobre este tipo de situação. A nota diz o seguinte:
“A prefeitura pede que sobre o relato que “o município recebeu denúncias de que um vereador fazia muitas interferências na unidade, como por exemplo, mandar pacientes para obterem vantagens no atendimento, sem precisar pegar fila”, o cidadão faça uma denúncia formal para que o município apure o ocorrido. O governo municipal não concorda, não tolera, não estimula e condena esse tipo de atitude de qualquer vereador ou apoiador político. Sobre o outro relato, que funcionários “são obrigados a frequentarem reuniões políticas e até vender rifas para arrecadar dinheiro para eles”. A prefeitura não obriga funcionários a participarem de reuniões políticas ou vender rifas de nenhum candidato ou partido político. A prefeitura condena veementemente esse tipo de atitude e solicita que as denúncias sejam encaminhadas formalmente para que possam ser apuradas”.
Outros relatos com o mesmo teor chegaram até à nossa equipe de reportagem. Outra fonte que também pediu anonimato informou que na policlínica do Parque Ipê, havia uma prática de pacientes irem em busca de atendimentos por indicação do então vereador Ronny Miranda (PHS), morto em 2018. Segundo ela, a Secretaria de Saúde precisou ajustar as equipes para que essa prática não mais acontecessem.
A secretária de saúde do município, Denise Mascarenhas foi procurada, mas até a publicação desta reportagem, não respondeu aos questionamentos feitos pelo Blog.
Casos no Governo do Estado
Mais profissionais relataram que a barganha por cargos públicos também acontece nas contratações feitas pelo Governo do Estado, como já foi noticiado pelo blog em julho (clique AQUI e relembre). De acordo com outra profissional da área de saúde que trabalhou no Hospital Geral Cleriston Andrade, o deputado federal Zé Neto detém o controle das vagas nos Hospitais Estaduais instalados no município. “Eu trabalhei no Hospital Cleriston Andrade por indicação do deputado Zé Neto. Lá quase todas as pessoas trabalham desta forma. Essas vagas temporárias é um absurdo, um verdadeiro cabresto eleitoral. Precisamos que tanto o município como o Estado façam concursos públicos. Nunca fui coagido, nem perseguido, sempre me valorizei, contudo há relatos absurdos de colegas”. Procurado, o deputado Zé Neto (PT) negou que faça este tipo de indicação. “Apenas os cargos de direção do órgão, que são os cargos de confiança, são de indicação política e isso é resguardado pela lei. As contratações são feitas por seleção pública. Durante a pandemia, eu solicitei que se observasse a qualificação do profissional, já que não poderia fazer seleção pública por causa da urgência na contratação, mas não acompanhei o resultado final. Foi a única vez que fiz algum tipo de solicitação”, afirma o deputado. O diretor do Hospital Geral Cleriston Andrade, José Carlos Pitangueira, afirmou que as contratações para a unidade são feitas através de Empresas contratadas pelo Governo do Estado e por Pessoa Jurídica. Ele afirmou também normalmente, o profissional procura a direção do hospital e após análise dos currículos, todos passam por treinamentos, para só então a contratação acontecer. “Não há nenhuma contratação por indicação política. Inclusive há alguns exemplos de funcionários que não são favoráveis ao governo estadual e à minha gestão, no entanto trabalham aqui. Eu desafio a qualquer um me dizer que alguém trabalha aqui porque “fulano” indicou”, concluiu o diretor. Para o advogado especialista em direito eleitoral e mestre em ciências políticas, Allah Goes, este tipo de prática representa abuso de poder. “Barganha é vantagem. Qualquer tipo de vantagem é considerado abuso de poder pela legislação, ainda mais neste período eleitoral, onde é vedada qualquer contratação, remoção ou substituição de servidores. Se o cargo é do poder executivo, é necessário que seja apurado como essa distribuição de cargos se dá. Quem distribui estes cargos?”, questiona.
Segundo o advogado, o TSE deve ficar atento a estas denúncias, pois, se provada, este tipo de prática pode acarretar na inelegibilidade por até 8 anos do agente político envolvido.