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Opinião / 05 de agosto de 2020 - 08h 17m

O sempre errado Edvaldo Lima

Compartilhamento Social

Por Daniele Britto*

Hoje pela manhã, após assistir uma live-aula extraordinária dos queridos pesquisadores Dr. Eduardo Miranda (Corpo-território-decolonial) e do pernambucano Dr. Iran Melo (Nuqueer) sobre decolonialidade, me deparo com a publicação do Blog do Velame (leia aqui), na qual o bolorento vereador-fundamentalista Edvaldo Lima afirma, entre outras coisas, que:

“Esse cidadão, ele pode representar ele próprio, como trans que ele é. Que segundo tomei conhecimento que ele implantou pinto pra ser homem, nunca vai ser homem. Ele vai ser homem como? Ele pode implantar pinto, nunca vai fazer um filho (…). Quem nasceu mulher é mulher e quem nasceu homem é homem. Esse elemento não representa ‘os pai’ (sic)”.

O vereador se refere à campanha de dia dos pais da empresa Natura, que tem Tammy Miranda como garoto-propaganda.

Eu, sinceramente, não consigo avaliar por onde seria melhor começar. Talvez, se eu informasse ao vereador Edvaldo Lima que um homem trans não só pode ter filhos, mas também pode parir a uma criança seria um bom começo, não acham? (Neste momento, eu rio sozinha e satisfeita imaginando o vereador engasgando com seu rio de perdigotos).

Mas, vamos traçar uma sequência lógica de desconstrução desse discurso homotransfóbico que sim, deve ser levado ao debate em busca da retaliação adequada ao edil pentecostal que se esconde, como todo bom covarde legislador, sob o manto da imunidade parlamentar. Sigamos.

Faz-se necessário introdutoriamente entender o que a categoria teórica gênero, fomentada nos anos 70, com o objetivo de teorizar a questão da diferença sexual significa. Um dos principais debates sobre este “conceito”, é a ideia de que as diferenças baseadas no sexo (masculino e feminino) são essencialmente sociais e passam longe da naturalização. Trocando em miúdos: coisas masculinas ou femininas não são naturais do homem ou da mulher. São padrões impostos e construídos como forma de dominação e opressão.

O debate sobre gênero ganhou potência com as lutas feministas, cujos estudos sobre identidades eram fundamentais à causa. Foram as feministas que provaram que a história dos corpos das mulheres era pautada pelas relações de poder dentro da sociedade, ou seja, as mulheres eram moldadas e limitadas pelos homens. Faço, aqui, uma leitura sem incluir os não-binários, pois talvez seja muita informação para o varão Lima.

Sexo, por sua vez, é delimitado por um arcabouço físico-biológico, tem relação direta com o as genitálias – pênis e vagina, e não “pinto” e “contrário de pinto”, como denomina o legislador sem noção. Outras características fisiológicas que diferenciam os seres humanos como machos ou fêmeas a nível físico ou genético também constam nesta categoria teórica e são alvo de inúmeras discussões.

Definido mais do que resumidamente o que é gênero e sexo, vamos compreender a categoria teórica de sexualidade, que muitos e muitas confundem com gênero ou sexo. A sexualidade é produto – ou produtos, sem dúvida – de um nada simples conjunto de processos históricos, sociais, culturais e claro, biológicos. Sexualidade tem a ver com o que te dá tesão, com a erotização, mas também com o que reprime os teus desejos e prazeres. Heterrosexual, homossexual, bissexual, não-binário… se eu começar a elencar aqui as diversas possibilidades de sexualidade, não concluo hoje o texto.

Mais uma etapa cumprida. E agora, também de forma muito superficial, ressalto, vamos compreender a categoria teórica da identidade que, conforme um autor chamado Stuart Hall, está relacionado às posições que o sujeito assume na complexa rede de significações culturais. O que isso quer dizer? Que as identidades construídas durante o Iluminismo não são as mesmas da modernidade que por sua vez, não são as mesmas da transmodernidade proposta por Dussel.

Hall afirma que a identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). Para ficar mais claro: nossa identidade é definida pela história e não pela biologia. Podemos assumir identidades diferentes em diferentes distintos, sem nenhuma necessidade de ser coerente, nos deslocando a todo momento para diversos lugares.

Concluímos, portanto, que existem diversas formas de tornar-se homem ou mulher, ou seja, de assumir uma identidade de gênero, assim como, da mesma forma, existem múltiplas formas de subjetividades no campo das orientações sexuais.

O que eu quis dizer com tudo isso? Que o vereador Edvaldo Lima e a maioria dos seus pares – não sabem NADA disso. Desconhecem qualquer teoria, estudo ou debate dentro das referidas categorias teóricas e pior: não tem nenhuma familiaridade com os Direitos Humanos.

Edvaldo Lima é perverso e faz uso do determinismo biológico, que aliena e serve, até hoje, de argumentação colonialista para criar etiquetamentos sociais e, infelizmente, escravizar fiéis – e eleitores.

Discurso raso, que dialoga com um fundamentalismo homicida, que tira a vida de muitos homens e mulheres homossexuais, trans e travestis ao redor do mundo.

Ao ouvir as falas retrucando Lima, vejo que ainda falta muito à Câmara de vereadores para que esta legislatura seja, no mínimo, democrática. Falta, principalmente, o desmame da velha política alienatória e oportunista, que deve ser substituída com extrema urgência pelas pautas inclusivas em estreita caminhada com a transmodernidade. É necessário rejeitar irracionalidades, desmontar as estruturas coloniais e, sem dúvidas, alinhar-se à Constituição.

Não ouçam Edvaldo Lima. Tammy Miranda representa a concepção plural de famílias que nasce mundo afora. Representatividade importa SIM.

*Daniele Britto
Advogada e Jornalista
Mãe, feminista, antirracista e aliada na luta contra a homotransfobia
Pesquisadora no grupo Corpo-território Decolonial
Mestranda PPGE/Uefs


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