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Opinião / 22 de maio de 2020 - 10h 37m

A influência dos influenciadores na pandemia

Compartilhamento Social

Por Anne Aguilar

O ano era 2010. A cena acontecia numa sala em que familiares se encontravam para a ceia de natal. Ana chegava com um lindo vestido vermelho. Clara, sua sobrinha, perguntava onde a Ana o havia comprado. No dia seguinte, influenciada pela tia Ana, Clara ia à loja e comprava um modelo igual. Dias depois, Clara usava o vestido numa confraternização natalina com as amigas. Uma delas, a Bruna, também gostara do vestido. E no dia seguinte ia à loja e também comprava uma versão do modelo. O ciclo da influência se completava. O ano era 2020. A filha da Clara, aos 19 anos, é usuária do Instagram e conhecida como influenciadora digital. Dez mil seguidores acompanham a sua rotina. Desde às 17h daquele 25 de dezembro, ela compartilhava a preparação para a ceia de natal. O que faria no cabelo, os itens de maquiagem que combinariam com o tom da roupa, os acessórios e o look escolhido. Deslumbrante, Clara chegou ao jantar e nem ouviu os elogios dos familiares, pois estava atenta ao celular. As curiosidades de seus seguidores se resumiam a saber onde foi comprado cada item que ela usava. E o ciclo da influência mais uma vez se completava. O advento das redes sociais trouxe à tona uma nova “profissão”: influenciador digital. Ora, se já influenciávamos nossos círculos sociais de maneira natural antes da Internet, então, conectados, agora somos todos influenciadores digitais? Há tempos venho me questionando sobre o que é ser um deles. E essa análise devo muito a uma amiga inconformada com a sua não compreensão dessa atividade. Não raras vezes ela me perguntou: “Quais razões levam uma pessoa comum a se tornar um influenciador? Os outros passam a segui-lo e a agir como sugerem com base em quê?”. Eu nunca consegui respondê-la de forma convincente. Durante a pandemia, que nos obrigou a uma quarentena, essa reflexão ficou mais vívida. O Instagram talvez seja a rede que mais abrigue os famigerados influenciadores digitais no Brasil. Com mais de 89 milhões de usuários ativos, o país é o terceiro maior mercado do Instagram no mundo, atrás apenas dos EUA e da Índia.  Com mais tempo em casa, aumentamos o tempo de ficar conectado. E o senso de observação, para alguns, aumentou também. Antes da pandemia do Coronavírus, a maioria dessas celebridades compartilhava diariamente com seus milhões de seguidores – gente das mais distintas realidades socioeconômicas – roupas, produtos de beleza e alimentação, maquiagem, tendências, procedimentos estéticos, rotina fitness, dentre outros. A presença de muitas delas em eventos as tornava ainda mais badaladas, desejadas e invejadas. Os posts “bombavam”. Obviamente, um mercado milionário também se estabeleceu nesse cenário.  Mas aí surge o Coronavírus. Milhares de pessoas morreram e continuam a morrer em todo o mundo por conta da doença. A Covid19 transformou o modo de viver de países inteiros, ao menos durante esse período. E além da dor causada pelas mortes, outros impactos negativos estão assolando o mundo. Economias robustas estão em queda, milhões de pessoas estão desempregadas, crianças e adolescentes sem acesso à educação, outras inúmeras doenças deixando de ser tratadas, aumento da desigualdade social em muitas nações são apenas alguns dos desdobramentos que me vieram à mente no momento em que escrevo esse texto. Mas, curiosamente, para a maioria dos influenciadores digitais isso parece estar acontecendo a uma distância inatingível. Ignoram o problema, vivem numa bolha onde a Alice continua no País das Maravilhas, fazendo o famoso provador de look – agora de casa, no espelho do quarto – para sugerir a compra de roupas que serão usadas sabe-se lá quando. Talvez o vizinho não consiga dormir por não saber se estará empregado no dia seguinte. Talvez gente – do seu entorno ou não – não tenha o que comer na próxima refeição, por não ter sido incluída em programas de auxílio governamental. Exato oposto dos influencers, estes são os “invisíveis”.  Por outro lado, entendo que é necessário manter um mercado que também emprega milhares de pessoas, pais e mães de família. Também compreendo que para alguns pouca coisa, ou nada, mudou com a pandemia. Mas é preciso ter sensibilidade. É preciso ter empatia. Atitudes abnegadas têm sido difíceis de ser encontradas, tanto quanto uma vacina que salve o mundo desse vírus. É diante dessa realidade que me pergunto se o tal  “novo normal” – expressão que está em evidência em tempo de Coronavírus – vai mesmo existir. Alguns fatos põem isso em xeque. A marca francesa de artigos de luxo Hermès vendeu 2,7 milhões de dólares em um único dia durante a reabertura de sua loja na cidade chinesa de Guangzhou. Será que não haverá uma euforia por liberdade que fará as pessoas repetirem padrões e hábitos antigos para “matar a saudade”? Eu não sei, talvez você que lê essas linhas agora também não. E talvez seja prematuro traçar o “novo normal”. Essa pandemia esfregou em nossa cara a importância do presente. Do agora. É só o que a gente tem. A quarentena não é uma pausa. É o que temos para hoje. Então, será mesmo necessário esperar tudo passar para vivermos de um novo jeito? Esse texto não é uma crítica ao consumo. Muito menos uma visão romantizada do consumo consciente. Afinal, o consumo consciente é sinônimo de comprar pouco? Se considerarmos que é um exagero para alguém comprar 5 blusas brancas iguais, não se pode dizer o mesmo para um profissional da área de saúde. Mas isso é assunto para outro texto.  Com este, eu não tenho a pretensão de esclarecer nada, ou mesmo fazer você concordar com uma linha sequer. Mas, se por um minuto, esse texto te propôs uma reflexão – assim como a minha amiga fez comigo – já está valendo. E muito.

*Anne é jornalista fã de séries e acompanha tudo que acontece em Feira e no mundo tentando não ser notada. 

Clique AQUI para ler outro artigo da jornalista. 


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