Primeira mulher psiquiatra da Bahia, Dra Maridélia se aposenta em Feira aos 87 anos; veja entrevista exclusiva
Primeira mulher psiquiatra da Bahia, formada pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Maridélia Jalles Cohim, aos 87 anos de idade, oficializou, no dia 6 de dezembro, a sua aposentadoria da Medicina. Deixando o consultório, mas também um grande legado.
Nascida em Patu, no Rio Grande do Norte, a médica desembarcou em Feira de Santana no dia 23 de março de 1947, e foi na Princesa do Sertão que construiu os melhores momentos da sua vida pessoal e profissional. Em 1956 prestou vestibular para a Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, contra a vontade do pai, que entendia que a profissão competia apenas aos homens. Vencendo os tabus, concluiu o curso em 1961.
Em Feira, Dra. Maridhelia foi Diretora do Hospital Especializado Lopes Rodrigues, atuou no conselho da Unimed e contribuiu diretamente para a formação de muitos psiquiatras ainda em atividade na cidade. Tamanha dedicação lhe rendeu o título de Cidadã Feirense. E neste seu último dia de atendimento, ela abriu as portas do consultório para conversar gentilmente com a equipe do Blog do Velame.
Diante de uma lucidez ímpar, nossa primeira pergunta foi sobre o que motivou a aposentadoria: “Primeiro a idade. Segundo que vou precisar morar fora da cidade, então não poderia continuar trabalhando. Mas eu não me canso. Sou incansável. 87 anos é velha para chuchu (risos), mas ainda estou aguentando. O maior legado que fica foi o meu apoio aos meus pacientes. Graças a Deus, a grande maioria, se sentiu muito feliz comigo. E isso é gratificante. Você saber que esteve ajudando… Hoje o meu sentimento é de saudade”, definiu.
Indagada sobre o que pretende fazer nas horas vagas, uma vez aposentada, ela antecipou que já está com as malas prontas para visitar uma das filhas nos Estados Unidos. Retornando à Bahia, se instalará na fazenda da família e só pensa em uma coisa: “Rezar, rezar e rezar. Pedir a Deus misericórdia. Rezar por mim, pelo mundo… Rezar pelos políticos, porque estamos vivendo uma fase muito difícil”, opinou.
Ao chegar em seu consultório, no segundo andar do Centro Médico Empresarial Augusto Freitas, de imediato presenciamos imagens católicas por todos os lados, inclusive de Irmã Dulce, de quem é devota. E foi com essa fé que Dra. Maridélia buscou conciliar a Medicina no trato com os seus pacientes. Mais do que receitar medicamentos, tantas vezes emprestou um ouvido amigo, deu conselhos e indicou ajudas até mesmo de cunho espiritual.
“A ciência não anda separada da religião. Meus pacientes que são católicos eu oriento a se confessar, a participar da Adoração ao Santíssimo Sacramento, a pedir a Jesus pela cura, e aos que não são católicos indico conversar com o seu pastor, para serem orientadas espiritualmente. E tenho que acreditar que este é um bom trabalho. Uma coisa é a orientação psíquica e outra a espiritual. E se complementam por vezes”, disse.
– TÍTULO DE PRIMEIRA PSIQUIATRA DA BAHIA
Pioneirismo. Puxei a fila. Porque até aquela época não tinha mulher psiquiatra, só tinha homem. Mas não foi difícil o ambiente. Sempre me impus. Comigo não tem machismo. Me comportava como mulher dignamente e eles também. Tive um professor muito bom. Ele virou para mim e disse: “Menina, vou lhe fazer psiquiatra”. Eu apenas disse: “Sim, senhor, professor”. E ele fez.
– RESISTÊNCIA FAMILIAR
Enfrentei. Cheguei para meu pai e disse que queria ser médica. E eu gosto de levar alívio para as pessoas. Desde criança sentava com as pessoas taxadas de “doidas”, gostava de conversar, de escutar as histórias, as vezes roubava até coisas de casas escondido de mamãe para levar a essas pessoas, como alimentos. E então eles se tornavam minhas amigas.
– FORMAÇÃO DE COLEGAS EM ATIVIDADE
Esse processo entrei porque sempre gostei de passar para os outros. Não sou egoístico. Somente introjetar sabedoria não serve para nada. Tudo que sei gosto de passar da melhor forma possível. Então, quando estive no hospital, o diretor me colocou para orientar os meninos, então fiquei. Orientei Dr. João Carlos, Dr. Antônio Fernandes, alguns que foram para a fronteira do Rio São Francisco, e muitos outros que foram meus alunos.
– O QUE REPRESENTA FEIRA
Tudo começou quando meu marido foi transferido para cá. Ele era militar, então tive que acompanhá-ló, vim para Feira e aqui estou, mesmo ele já tendo morrido. Feira de Santana é a minha fonte de realização. Tudo o que fiz por Feira foi muito, mas ainda acho que poderia ter feito bem mais, mas nem sempre fui solicitada. Porque quando sou solicitada não nego.
– TABU COM A PSIQUIATRIA
Ignorância. A ignorância é uma cegueira. É grave. A pessoa não procurar um médico para não ser chamado de “doido”… Que inferiorização se faz nisso? Nenhuma. Se for tiver tuberculoso, você está inferior ao outro? Não. Por quê que a doença mental inferioriza? Pela ignorância. A mensagem que deixo é que temos que nos civilizar. Procurar conhecer a fundo a verdade das coisas. A verdade é que leva a ciência a crescer. Jesus já disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”.